Já fiz encomenda com raiva
Sobre errar, continuar e não ter paz interior, mas seguir mesmo assim
Nove horas da noite e caixas semi prontas empilhadas em cima da mesa.
Passo cola em mais uma tira de papel e vejo o que eu temia: colei a tampa ao contrário.
Puxo com força o papel que revestia a caixa cartonada que eu confeccionava.
Meu marido me olha surpreso e pergunta:
— Que foi?
Olho irritada e respondo:
— Errei de novo essa merda.
Há um ano, essa era a cena mais comum no meu ateliê.
Estar frente a frente com a frustração é uma luta interna onde beiramos a loucura.
Saímos de completos adultos racionais para o auge de uma criança de dois anos que está aprendendo os seus limites.
“Errar faz parte do processo.”
Essa realidade só fica clara depois daquele momento em que tacamos tudo no chão, falamos um palavrão e finalmente nos acalmamos.
Ah, quem me dera ter a paz interior de aguardar o processo de aprendizagem.
Imprimi a personalização errada?
Inspira: 1, 2, 3… Expira: 3, 2, 1.
Não consigo.
Sou feita de carne.
Rasgo, amasso, choro.
Não posso abandonar.
É trabalho.
Vida adulta dói.
O sentimento de frustração me corrói.
O problema não é ficar ruim,
é não ser o que eu esperava.
Hoje, incluo resultados errados na minha expectativa.
E se não der certo:
Reclamo, choro, falo um palavrão ou dois e sigo com o planejamento.
A cartonagem me apresentou a frustração da maneira mais crua que se pode imaginar.
O artesanato me trouxe o equilíbrio entre o prazer e a raiva.
Continuar não é para quem tem paz interior:
é para quem monta a terceira caixa errada, se irrita, sai batendo a porta e, depois de respirar fundo, abre a porta do ateliê de novo.
Passa o café, aquele cheiro que acalma, mesmo na bagunça.
E seguimos confeccionando.
Aquela nota entre amigos:
Esse texto representa todas as vezes em que me via rasgando, chorando e fazendo a encomenda.
Já me senti mal por me irritar com os erros e até imatura por um pico de raiva aleatória porque algo simplesmente não encaixava.
Será que sou tão imatura?
Talvez só humana.
Talvez eu só expresse o que outras também sentem, mas não dizem em voz alta.
E, sinceramente? Tá tudo bem.
Não sou um modelo a seguir,
sou uma pessoa completamente crua e aberta pra viver na minha própria imperfeição.
Nem sempre a criação é leve, mas escrever sobre ela me ajuda a seguir. Se quiser caminhar comigo nesse processo, assine a newsletter e receba cada crônica diretamente no seu e-mail.